Cérebro — Foto: Freepik Pesquisa de grande escala publicada na PNAS indica que a atrofia cerebral por si só não explica a maior in...
Pesquisa de grande escala publicada na PNAS indica que a atrofia cerebral por si só não explica a maior incidência da doença no sexo feminino, apontando para uma complexa interação de fatores genéticos, hormonais e de longevidade.
Por Jardel Cassimiro, para a Revista Correio 101
Um novo e abrangente estudo científico trouxe à luz uma descoberta contraintuitiva que desafia as compreensões anteriores sobre o envelhecimento cerebral e a doença de Alzheimer. Publicada nesta semana na prestigiada revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), a pesquisa revela que, ao longo da vida, os cérebros dos homens encolhem em um ritmo mais acelerado e em mais regiões do que os das mulheres. No entanto, este processo não se reflete na incidência de Alzheimer, que afeta quase o dobro de mulheres em comparação com os homens, sugerindo que o mistério por trás dessa disparidade de gênero é muito mais complexo do que se imaginava.
Para chegar a essa conclusão, uma equipe de neurocientistas, liderada por pesquisadores da Universidade de Oslo, realizou uma análise longitudinal robusta. O estudo acompanhou 4.700 indivíduos saudáveis, sem diagnóstico de Alzheimer ou qualquer comprometimento cognitivo, ao longo de vários anos. Foram analisados mais de 12.600 exames de ressonância magnética de um grupo com uma vasta faixa etária, entre 17 e 95 anos. Cada participante foi submetido a pelo menos dois exames, com um intervalo médio de três anos, permitindo aos cientistas observar as mudanças estruturais no cérebro com uma precisão notável.
O resultado primário foi inequívoco: os homens apresentaram uma redução de volume, ou atrofia, mais significativa em múltiplas áreas corticais e subcorticais. Regiões cruciais para a memória e visão, como o córtex para-hipocampal, mostraram um declínio mais acentuado no cérebro masculino. Em contraste, as mulheres exibiram um declínio em menos regiões, com mudanças corticais mais limitadas.
Este achado, por si só, criaria a expectativa de que os homens fossem mais vulneráveis ao Alzheimer, uma doença neurodegenerativa caracterizada pela perda progressiva de tecido cerebral. Contudo, a realidade epidemiológica é diametralmente oposta. As estatísticas globais confirmam que as mulheres compõem cerca de dois terços dos pacientes com Alzheimer, e o envelhecimento é o principal fator de risco para o desenvolvimento da condição.
A aparente contradição leva à principal conclusão do estudo: as mudanças cerebrais estruturais e naturais decorrentes do envelhecimento não são a causa direta da maior prevalência da doença em mulheres. "Estes resultados sugerem que a maior prevalência de diagnósticos de Alzheimer em mulheres provavelmente deriva de fatores que vão além das taxas diferenciais de atrofia cerebral relacionada à idade", afirmam os autores no artigo.
Com a atrofia cerebral descartada como principal culpada pela disparidade, a comunidade científica volta suas atenções para outras variáveis biológicas, genéticas e sociais. Entre os principais suspeitos estão:
Fatores Hormonais: A hipótese de que hormônios sexuais desempenham um papel crucial ganha força. O estrogênio, por exemplo, é conhecido por ter efeitos neuroprotetores. A sua diminuição acentuada durante a menopausa pode deixar o cérebro feminino mais vulnerável a processos neurodegenerativos.
Genética e Cromossomos: Diferenças genéticas, incluindo genes localizados nos cromossomos sexuais X e Y, podem influenciar a suscetibilidade. O cromossomo X, presente em dose dupla nas mulheres, carrega um grande número de genes ligados à função cerebral e ao sistema imunológico, o que pode conferir tanto resiliência quanto vulnerabilidade.
Expectativa de Vida: Embora o estudo sugira que a longevidade por si só não explica a diferença, ela continua sendo um fator contribuinte. Como as mulheres vivem, em média, mais do que os homens, elas têm mais tempo para atingir as idades de maior risco para o desenvolvimento do Alzheimer.
A pesquisa da PNAS representa um passo fundamental para redirecionar o foco das investigações sobre o Alzheimer. Ao invés de buscar uma explicação única e linear baseada apenas na observação da perda de volume cerebral, os cientistas são agora compelidos a adotar uma abordagem mais holística e específica para cada sexo. Compreender como a interação única de hormônios, genética e fatores ambientais molda o risco de Alzheimer em mulheres e homens será essencial para o desenvolvimento de estratégias de prevenção e tratamentos verdadeiramente personalizados e eficazes no futuro.
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