Em uma manhã de terça-feira, a Polícia Federal bate à porta de Bruno , o influenciador dos 15 milhões de seguidores e das rifas milionárias,...
Em uma manhã de terça-feira, a Polícia Federal bate à porta de Bruno
, o influenciador dos 15 milhões de seguidores e das rifas milionárias, e do empresário Rodrigo Morgado, um velho conhecido das páginas policiais. A operação desvela uma teia que conecta a ostentação das redes sociais, a febre das apostas online e as sombras do tráfico internacional de drogas.
Por Jardel Cassimiro, para a Revista Correio 101
O roteiro da fama digital no Brasil contemporâneo costuma seguir uma cartilha previsível: um viral, um bordão, o crescimento exponencial de seguidores, contratos de publicidade, a exibição de uma vida de luxo e, para os mais bem-sucedidos, a criação de um império pessoal. Bruno Alexssander Souza Silva, um rapaz que atende pela alcunha de Buzeira, parecia ter zerado o jogo. Com mais de 15 milhões de almas acompanhando seus passos nas redes sociais, ele era o arquétipo do novo milionário – um Midas do engajamento cujo toque transformava sorteios e rifas em ouro. O ápice de sua performance pública talvez tenha sido seu casamento, um evento faustoso onde a tradicional brincadeira do "corte da gravata" se metamorfoseou em um espetáculo de arrecadação que superou a cifra de 1 milhão de reais. Buzeira não vendia apenas produtos; ele vendia um sonho, o atalho para uma vida sem boletos.
Mas o amanhecer desta terça-feira, 14 de outubro, quebrou a rotina de postagens e stories com a batida seca e inconfundível da Polícia Federal. Ao mesmo tempo, em outro endereço, o empresário Rodrigo Morgado, um homem cuja trajetória recente também oscila entre o empreendedorismo e o inquérito policial, recebia a mesma visita indesejada. Os dois, o influenciador e o empresário, eram os alvos principais de uma operação deflagrada para desarticular um sofisticado esquema de lavagem de dinheiro. A origem do capital, segundo os investigadores, não poderia ser mais sombria: o tráfico internacional de drogas.
A operação, um esforço coordenado em quatro estados – São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Santa Catarina –, cumpriu 11 mandados de prisão e 19 de busca e apreensão. O que a PF começou a desenrolar é um novelo complexo, onde o dinheiro sujo do narcotráfico era submetido a um processo de purificação moderno. A lavagem, longe dos métodos rudimentares, passava por um carrossel de transações com criptomoedas e remessas internacionais, uma arquitetura financeira erguida para apagar rastros. A última etapa, o destino final que dava ao dinheiro uma aparência lícita, era, de acordo com as investigações, o vibrante e pouco regulado universo das "bets", as plataformas de apostas eletrônicas.
Para o grande público, o nome de Buzeira já havia transitado para além das colunas sociais digitais. Em junho, seu nome foi citado no relatório final do inquérito policial que investigava a conturbada relação entre a VaideBet e a diretoria do Corinthians. O documento sugeria que o ex-presidente do clube, Augusto Melo, teria "dívidas" de campanha quitadas com o auxílio de uma gama heterogênea de financiadores, que incluía empresários, um agiota e, entre eles, o próprio Buzeira. Era um sinal de que a influência de Bruno Alexssander talvez extrapolasse as fronteiras de seu feed.
Rodrigo Morgado, por sua vez, já era um personagem mais habituado aos holofotes da crônica policial. Seu nome ganhou notoriedade em uma disputa bizarra sobre o sorteio de um carro, que culminou na demissão de uma funcionária. Mas o caso que o colocou definitivamente no radar das autoridades ocorreu em abril deste ano, quando foi preso em outra operação da Polícia Federal, também por suspeitas de ligação com o tráfico internacional de drogas e por porte ilegal de arma. A prisão, no entanto, foi breve. Dias depois, a Justiça de São Paulo lhe concedeu liberdade provisória, permitindo que voltasse a circular, até a manhã de hoje.
A ação da PF sugere uma simbiose perversa. De um lado, uma estrutura criminosa tradicional, lidando com o negócio bilionário e violento das drogas. Do outro, o novo ecossistema da influência digital, com sua capacidade de movimentar massas e, crucialmente, de normalizar práticas como jogos de azar e sorteios que operam em uma zona cinzenta da legalidade. As plataformas de "bets", febre nacional, teriam servido como a fachada perfeita, o cassino digital onde o dinheiro de origem ilícita era apostado, fracionado e, ao final do ciclo, reintroduzido no sistema como um ganho legítimo.
Enquanto a defesa dos dois citados ainda é procurada para se manifestar, a prisão de Buzeira e Morgado lança uma luz incômoda sobre a economia da ostentação. Revela o risco de um mundo onde a validação é medida em cliques e a riqueza parece brotar do nada, como um prêmio de caça-níquel. A operação da Polícia Federal é um lembrete de que, por trás da tela polida do sucesso instantâneo, pode haver engrenagens muito mais antigas e perigosas em movimento. Para Buzeira, o influenciador que ensinava seus seguidores a apostar na sorte, a aposta desta vez parece ter sido alta demais. E, ao que tudo indica, ele perdeu.
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